Em cada dez dos melhores jogadores de futebol do mundo, pelo menos cinco são brasileiros.
Entre todos os prêmios Nobel do mundo, nenhum é brasileiro.
Entre os grandes jogadores brasileiros, quase todos têm origem pobre, enquanto quase todos os profissionais de nível superior vêm das camadas ricas e médias.
Nestes tempos de Copa do Mundo, a TV e o rádio mostram, todos os dias, pequenas biografias dos nossos grandes jogadores. Em comum, todos têm o fato de terem começado a jogar futebol aos quatro anos de idade, em algum campo de pelada perto de casa, às vezes no quintal de um amigo. Todos continuaram, com persistência, o desenvolvimento de seus talentos.Transformaram-se em grandes craques, graças à oportunidade, ao talento e à persistência.
No Brasil de hoje, 20 milhões de meninos jogam futebol. Se apenas um em cada dez mil tiver talento e persistência, nas próximas copas teremos dois mil ótimos jogadores; se for um em cada um milhão, ainda assim teremos dois times completos, formados por grandes craques.
O mesmo não vai acontecer com a ciência, a tecnologia e a literatura no Brasil. Não teremos 20 prêmios Nobel, nem mesmo juntando, a esses meninos, os outros 20 milhões de meninas. Porque poucos entrarão na escola aos quatro anos. Não terão acesso a verdadeiras escolas, não poderão persistir no desenvolvimento de talento, não terão livros ou computadores como têm bolas.
O Brasil tem grandes craques graças ao gosto pelo futebol, ao tamanho da nossa população e ao fato de que todos têm acesso à bola e ao campo de pelada.
Nosso país não tem, até hoje, nenhum Prêmio Nobel de Literatura ou Física, porque poucos têm acesso a ensino de qualidade desde a primeira infância, com professores bem remunerados, preparados e dedicados, dispondo de livros e computadores na quantidade e qualidade necessárias.
Os campos e as bolas surgem espontaneamente, ou pelo esforço da comunidade e dos próprios meninos. A escola e os computadores só estarão à disposição se houver um esforço deliberado do país inteiro.
Ninguém vira craque por sorte, e sim por talento e persistência. Mas, no Brasil, o desenvolvimento intelectual depende, antes de tudo, da sorte de nascer em uma família rica, em uma cidade próspera, com um prefeito que dê prioridade à educação. O talento e a persistência vêm depois porque, antes, precisam de oportunidade: uma escola de qualidade. O desenvolvimento intelectual depende de condições criadas pelo Estado nacional: escolas, livros, computadores, professores.
Se tivéssemos feito isso há cinqüenta anos, o Brasil seria o campeão do saber, e não o lanterninha, posição que ocupamos atualmente. Se o fizermos agora, daqui a 20 anos teremos recuperado terreno, e aí teremos a chance de vencer não só a Copa do Mundo, mas também a Copa do Saber, do conhecimento, da ciência, da tecnologia, da literatura. Ganharemos as medalhas do Nobel, além das taças da Copa.
Além do mais, teremos o capital e as bases para construirmos o Brasil do século XXI. O futebol deslumbra, mas só o saber constrói.
Tudo isso, porém, enfrenta um grave impedimento: os brasileiros têm paixão pelo futebol. As vitórias emocionam, as derrotas deixam todos abatidos. Mas não existe a mesma paixão pela educação. Há semanas, os meios de comunicação informaram que estamos perdendo para o Haiti em termos de repetência escolar. Nada aconteceu, ninguém se incomodou. Se tivéssemos perdido para o Haiti no futebol, nossos jogadores teriam sido muito mal recebidos na sua volta ao Brasil.
Para que as medalhas intelectuais cheguem, é preciso ter pela escola a mesma paixão que o Brasil tem pelo futebol.
Cristóvam Buarque
Jornal "O Globo" - 10 de Junho de 2006
Jornal "O Globo" - 10 de Junho de 2006
2 comentários:
O fanatismo pelo futebol e o desejo por vencer tem nos cegado... Nada é bom o bastante quando se fala de doze homens 'defendendo' uma nação numa hipócrita reunião de países. Quem nos representa lá precisa ser mais do que herói, enquanto os nossos reais problemas são esquecidos, renegados ao segundo plano das nossas mentes... assim como os nossos líderes nacionais. Mensalão? hem? Tudo passa com a taça nas mãos... não há miséria e passamos a uma ilusão de primeiro mundo.
Outra ponto a ser levado em consideração, é quando esses tais heróis fracassam, voltam para 'casa' como os maiores causadores dos nossos problemas... Eles são culpados por termos esse tipo de vida. Mas claro! o circo recomeça daqui a quatro anos...
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Boa escolha de texto, sil.
Bjs... bom início de semana =]
Não há paixão, entusiasmo, talvez pois a maioria das pessoas que tiveram acesso a uma boa formação, debandaram a outros continentes, outros países. Outros fizeram pior, restringiram suas relações ao meio "formal", "acadêmico".
Acesso aos demais? Para que? Ignorantes! Para que atirar pérolas aos porcos?
Gostaria que em vez de discursos, nossos políticos determinassem que toda a biblioteca pública recebesse ao menos um exemplar de cada livro editado nesse país, pagos os custos pela representação maior do povo brasileiro, o Estado.xglam
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