19.6.06

Barco Abandonado

barco a deriva
A minha vida é um barco abandonado
Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Por que não ergue ferro e segue o atino
de navegar casado com o seu fado ?

Ah! Falta quem o lance ao mar,
E alado torne seu vulto em velas;
Peregrino frescor de afastamento,
No divino amplexo da manhã, puro e salgado.

Morto corpo da ação sem vontade
Que o viva, vulto estéril de viver,
Boiando à tona inútil da saudade.

Os limos esverdeiam tua quilha,
O vento embala-te sem te mover,
E é para além do mar a ansiada Ilha.

Fernando Pessoa


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